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quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Filme O Alvorecer das Taboas - Bicas

 Como forma de incentivar a produção histórica em nossa região, que por sinal carece de iniciativas, apresentamos no blog a 1ª parte do Filme de Bicas intitulado “O Alvorecer das Taboas & os Trilhos do Progresso”. A parte em questão é composta pelo texto e o link contendo o vídeo. A produção foi feita em homenagem aos 100 anos de emancipação da cidade de Bicas e apresenta uma bela produção visual trazendo informações relevantes para o contexto histórico local e regional. Esperamos que outras cidades sigam o exemplo e possam elaborar materiais visando divulgar seu legado cultural.


 *****LINK DO FILME: https://www.youtube.com/watch?v=uRcWh7vwI8o

 

No período Colonial, a Capitania de Minas Gerais viveu o auge do Ciclo do ouro e das pedras preciosas.

        A região da mineração centralizada em Vila Rica, hoje Ouro Preto, era ligada ao Rio de Janeiro pelo pioneiro caminho chamado de Caminho Velho.  Esse caminho descia por Baependi e Passa Quatro, alcançava o vale do Paraíba em Guaratinguetá, no estado de São Paulo e daí descia a Serra do Mar por onde os tropeiros chegavam a Parati, no litoral fluminense. Dali, o Rio de Janeiro era alcançado por pequenas embarcações marítimas frequentemente assediadas por piratas franceses e corsários ingleses.

Querendo evitar o assédio da pirataria e ao mesmo tempo encurtar a ligação da corte com a região de Minas Gerais, o governador da Capitania do Rio de Janeiro, Artur de Sá, em 1698, iniciou a abertura de uma picada que, em pouco tempo, permitia a passagem de pedestres. Era o início do Caminho Novo que das proximidades de Borda do Campo, hoje Barbacena, descia pelo vale do Paraibuna, passava por Paraíba do Sul , atravessava o Paraíba e a serra do Couto , onde hoje vicejam as cidades de Paty de Alferes e Miguel Pereira, para terminar no porto Estrela, no rio Iguaçu. Dali os tropeiros desciam o rio em pequenas embarcações, alcançavam a Baía de Guanabara e chegavam ao Rio de Janeiro.

A região a leste do Vale do Paraibuna denominada “das matas” era considerada área proibida ao desbravamento e povoamento. Naqueles sertões só havia a mata, montanhas, índios, poucos rios e nenhuma riqueza mineral. Próxima ao litoral, aqueles sertões de matas quase indevassáveis se tornaram em áreas proibidas por determinação do governador da Capitania, a fim de servirem de defesa contra possíveis aventureiros fluminenses e contra quem pretendesse fugir do fisco e entregar-se ao contrabando de riquezas.

Durante muito tempo, o vale do Paraibuna foi a principal porta onde a história de Minas Gerais se fez. Assim, a região das matas, a leste do Paraibuna ficou preservada ao longo de quase três séculos como “áreas proibidas” de matas densas difíceis de penetração.

A decadência da mineração foi o fator determinante para que a região das Matas Proibidas fosse liberada ao desbravamento e povoação. Muitos mineralistas abandonaram a região central da capitania e se dirigiram para outras áreas situadas ao norte e ao sul das matas proibidas na busca de terras  para agricultura . Aos poucos foram se multiplicando os caminhos, trilhas e picadões dentro das matas, terras para cultivo começaram a se r procuradas. A sobrevivência era importante e a cultura do café foi oportuna. Com isso, acelerou-se a penetração de desbravadores e povoadores nas terras ainda inexploradas.

Como as Capitanias Hereditárias eram áreas muito grandes, era difícil que os donatários sozinhos conseguissem vigiar e explorar o imenso território. Assim, era comum que elas fossem divididas em espaço de terra menores chamados de Sesmaria.

Sesmaria era um lote de terra distribuído a um beneficiário, em nome do rei de Portugal, com objetivo de cultivar terras virgens e se comprometiam a colonizá-lo dentro de um prazo previamente estabelecido..

Sesmeiros foram se fixando em diferentes pontos onde erguiam abrigos, ranchos, cruzeiros que dariam origem a muitos povoados. Onde o homem pousava, a marca do cristianismo era ali instalada, ganhando o local o nome do santo do dia ou da devoção dos elementos mais importantes do grupo. Homens valentes, ambiciosos e determinados que desconheciam qualquer plano de colonização, sem disciplina e sem planejamento, deram origem a muitos povoados que se constituíram em células de várias cidades.

Em 1814, Domingos Ferreira Marques e sua esposa Feliciana Francisca Dias solicitaram ao donatário da Capitania de Minas Gerais parte das terras disponíveis em nossa região. Essas terras, outrora pertencentes á área proibida agora estavam disponíveis e desabitadas.  Em 1816, obtiveram aprovação da doação e em 1818 tomaram posse. Foram mais de uma sesmarias, sendo a principal a Sesmaria Bonsucesso. 

Domingos Ferreira Marques inspirado pela esposa Feliciana Francisca Dias, devota do Divino Espírito Santo, doara em 1828 quarenta alqueires de terras para a criação de um Curato que se chamou Divino Espírito Santo ( atualmente Guarará  ).  O termo curato, usado na época, era a denominação dada às terras entregues à administração de um padre. Inicialmente, criava-se uma capela e com o tempo ao seu redor surgiam, pouco a pouco, pequenas casas que terminavam formando uma irmandade.   A construção da primeira igreja no curato ocorreu em 1930, tempos depois em 1942, iniciou a construção de uma igreja no estilo barroco, permanecendo no mesmo estilo até os dias de hoje. 

A dois quilômetros do curato do Divino Espírito Santo, havia um povoado conhecido como Arraial das Taboas, assim denominado pela presença abundante de uma vegetação conhecida como taboa. Por entre pequenas grotas brotavam nascentes de águas límpidas que desciam por todo vale.

      Em 1855, foi fundada a Irmandade do Divino Espírito Santo com mais de 260 membros. Essa irmandade administrava o pequeno povoado da época e a partir de 1868 foi elevado á categoria de Paróquia.

      Com o decorrer do tempo, fazendas e pequenas propriedades foram surgindo a partir das vendas das terras da Sesmaria Bonsucesso, uma delas era a fazenda Saracura produtora de café. Naquela época, o café era o produto mais lucrativo e o principal produto de exportação. Sua produção e comércio geravam riquezas contribuindo para o crescimento das cidades e regiões em que eram plantados.                                           

    O braço escravo era a única mão de obra disponível até o dia em que foram libertados pela histórica Lei Áurea assinada pela princesa Isabel. Trabalhando de sol a sol, sem descanso, sem remuneração, sofrendo maus-tratos, vivendo de forma desumana, homens e mulheres foram por muito tempo a força que movimentava a economia. O trabalho servil era utilizado em todas as atividades braçais, inclusive na construção de instalações rurais, na abertura de caminhos, no transporte de cargas e nos afazeres domésticos e urbanos.

    Para comercializar os produtos eram necessários centenas de muares, conduzidos por tropeiros. O trabalho que realizavam os tornaram imprescindíveis para o comércio da época. Levavam café com outros produtos para Corte Imperial, na cidade do Rio de Janeiro e no retorno traziam produtos refinados e importados de outros países além do sal vindo do Rio Grande do Norte por meio de navios.

       Seu trabalho exigia um homem disposto, forte e honesto. Era árduo; exigia-se seriedade e confiança, porque sob suas responsabilidades estava a guarda do dinheiro dos agricultores e comerciantes. Isso acontecia em jornadas cansativas duravam meses. Eles cavalgavam durante o dia e, à noite, paravam para pernoitar em determinados pontos e descansar os animais.  Um dos locais de parada era o Rancho das Bicas situado na serra das Bicas, dali partiam em sentido a fazenda Saracura no Arraial das Taboas. Os tropeiros foram os iniciadores da atividade econômica, sendo eles, no início, os únicos elos de ligação entre os moradores dos pequenos povoados existentes. 

    De fazenda em fazenda, os primitivos caminhos permitiam aos tropeiros e viajantes chegar a um lugar qualquer, principalmente nas barrancas dos rios fronteiriços já sabendo que na outra margem não encontraria melhor situação.  Mas era por eles que a produção de café tinha de chegar ao porto de Piedade, no fundo da baía de Guanabara, ou no porto da vila de Cava, no rio Iguaçu.

     Entre eles podemos citar Antônio José Gomes Bastos que tempos depois receberia o título de “Barão de Catas Altas” que levou a vida de tropeiro durante alguns anos, até casar-se. Quando deixou esse serviço investiu suas economias em terras, dedicou-se ao cultivo do café e da cana.

     Impulsionada pela produção de café, a região do curato do Divino Espírito Santo de Mar de Espanha que atualmente, compreenderia as terras de Guarará, Bicas e Maripá, crescia de forma expressiva na década de 1870. O censo realizado em 1872 registrou 6197 habitantes no curato, que na época era apenas um povoado. Para melhor compreendermos o tamanho desse crescimento populacional, vamos comparar com a população de Mar de Espanha, uma das maiores produtoras de café da região, que segundo esse mesmo censo registrava uma população de 12864 habitantes. Dos 6197 habitantes, eram livres 2177 homens e 1898 mulheres. Eram escravos 1255 homens e 867 mulheres.

      Em 1º de dezembro de 1873, o curato passa a categoria de freguesia de Mar de Espanha, equivalente a um distrito. A partir daí, o povoado passa a ser administrado pela Câmara de Mar de Espanha.

      A produção de café cresce cada vez mais. Toda a região da cidade de Mar de Espanha, Sarandi e o Espírito Santo de Mar de Espanha que atualmente corresponde toda a região de Guarará, Bicas e Maripá, produziam 250.000 arroubas de café, ou seja, 3. 750.000 kg . Todo esse café era transportado no lombo de burros.

     A dificuldade do transporte de café fez com que fazendeiros da região se reunissem na estação de Serraria, por onde já passava a ferrovia de D. Pedro II. Ali discutiram em assembleia a criação de uma ferrovia que ligaria Serraria a Mar de Espanha. Fundaram, então, a Companhia da Estrada de Ferro União Mineira. Essa proposta fora feita pelo fazendeiro e desembargador Pedro Alcântara de Cerqueira Leite, pelo engenheiro Pedro Betim Paes Leme e pelo comendador Francisco Ferreira Assis Fonseca.

          Para isso ser possível, era necessária uma lei que concedesse o direito de exploração da ferrovia. Utilizando de muita influência política, os cafeicultores conseguiram a promulgação da lei de nº 2224 em 13 de junho de 1876, publicada no Livro da Lei Mineira, que dava concessão da construção da estrada de ferro a Francisco Ferreira Assis Fonseca e Pedro Betim Paes Leme que ligaria Serraria a Mar de Espanha e a São João Nepomuceno.

          A construção do primeiro trecho durou, precisamente três anos mesmo vencendo duas difíceis serras numa época em que não existiam tratores e outros equipamentos além de enxadões, picaretas, enxadas, pás, esteiras de couro de boi e dinamite para explodir pedreiras.

       Acresce-se à importância dessa obra, o fato de não ser permitido o braço escravo  conforme a recomendação do Imperador D. Pedro II. A mão de obra era composta na maioria de ex - escravos e imigrantes europeus recrutados no cais do Rio de Janeiro, a fim de executarem atividades específicas, já que o país não dispunha de mão de obra qualificada.

     Pedro Betim Paes Leme, engenheiro responsável pela construção da ferrovia era descendente do bandeirante Fernão Dias Paes Leme, o caçador de esmeraldas, e de seu filho Garcia Rodrigues Paes responsável pela abertura do Caminho Novo em 1704, entre a região do garimpo de Minas Gerais e a cidade do Rio de Janeiro.

         As grandes dificuldades na construção da Estrada de Ferro União Mineira fez com que o engenheiro topógrafo Pedro Betim mudasse o trajeto traçado. Inicialmente, conforme fora previsto, passaria por Silveira Lobo e Sossego, inauguradas em 13/05/1879, mas não foi possível passar por Mar de Espanha pela dificuldade topográfica. O trajeto passou por Pequeri, localidade próxima a Sarandi de um lado, a apenas 8 km e Mar de Espanha do outro a apenas 14km, assegurando a construção da estação inaugurada em 07/07/1879  que daria origem ao povoado de Pequeri.  Em seguida, veio a inauguração de estação de Santa Helena também em 07/07/1879  e de Bicas (ainda Arraial das Taboas) em 09/09/1879.

           É interessante observar que o relatório de Pedro Betim não havia nenhuma referência a Bicas, o que fortalece a tese de que a nossa cidade não existia até aquela época.

 “(...) Já se acham designados os lugares das estações, trata-se agora de organizar os respectivos projetos para se por em hasta pública as sua construções. Tudo será feito a tempo de maneira a não haver atraso na obra. A estação terminal desta primeira seção, cujas obras já se acham adjudicadas, não pode ser colocada mesmo no arraial do Espírito Santo, como era de nossa intenção e mais ardente desejo. As dificuldades deste primeiro traçado por um lado e as condições de um fácil prolongamento para São João, a que tínhamos de atender, por outro demoveram-nos do primeiro intento, obrigando a designar para esta estação o lugar denominado Taboas a cerca de dois quilômetros do Arraial do Espírito Santo.

            Primeiro documento histórico da origem de Bicas!

     O topônimo de Bicas foi sugerido pelo engenheiro Pedro Betim Paes Leme ao dar o nome de Bicas, a estação ferroviária aqui construída por se achar localizada no alto da serra conhecida por ”Serra das Bicas”. Nesta serra, naquela época, havia um rancho de tropeiros de propriedade de Joaquim José Teixeira. Os tropeiros quando queriam se referir a este rancho referiam sempre ao rancho das bicas pela sua localização. Esse rancho, posteriormente, mudou de proprietário para Antônio Gonçalves de Souza Junior e, com a morte deste, para sua viúva D. Ana. Os dois eram conhecidos como “Antônio das bicas” e “Ana” das bicas”. E assim foi dado o nome à estação e a povoação que se formava em torno da estação de Bicas, que pertencia ao Distrito do Espirito Santo até a sua emancipação que só ocorreu em 1923.    

     A oficina de Bicas nasceu com a estrada de ferro para atender a manutenção dos trens. Pequena no início, contava com operários europeus, notadamente belgas, franceses e italianos. O Brasil era carente de recursos humanos qualificados.

    Em 1881, D. Pedro II viaja pela Ferrovia União Mineira e desce em Bicas, fato narrado em seu diário. Documento de valor histórico e cultural da Estação Ferroviária e da própria ferrovia para Bicas é o trecho do Diário de Dom Pedro II, vl. 25, de 28 de abril de 1881.

“Segui depois do almoço às 11h 50’. Antes do Assis parei na estação de Bicas, que é quase um arraial formado há 2 anos. As oficinas em ponto pequeno agradaram-me. Também visitei um engenho de preparar café da vizinhança, na razão de 800 arrobas por dia feito por fulano Melo. Enfim a digressão da estrada de ferro União Mineira 82 km e não 84 agradou-me muitíssimo. Querem levar a estrada até o rio Pomba.”


Arte ilustrando tropeiros se deslocando próximo a Serras das Bicas.


Extra! extra! extra! O jornal Atualidade de Ouro Preto noticiou em 20/09/1879 a inauguração da estação de BICAS!